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Entre a razão e a emoção

De modo ideal, uma campanha política seria uma disputa racional. Candidatos racionais expondo seus melhores projetos e eleitores igualmente racionais avaliando, comparando e escolhendo quem apresentou a melhor proposta política. Mas a realidade jamais alcança o ideal
No mundo real, a situação apresenta-se muito mais complexa e contraditória. As pessoas que dão vida à política, seja na condição de candidatos, seja na de eleitores, levam para ela sentimentos muito fortes - como esperanças, expectativas, temores, insegurança, defesa e/ou promoção de interesses pessoais ou associativos, ambição, etc. Mais que isto, a natureza competitiva e lúdica da política, particularmente das eleições, reorganiza os indivíduos em grupos antagônicos (partidos, correntes partidárias, ideologias, interesses). Como não é possível que todos consigam, simultânea e conjuntamente, o que desejam da política, alguns conquistarão mais que outros, ou até mesmo, alguns conseguirão o que querem e outros conseguirão nada.
O cientista político Harold Lasswell definiu a política, sob tal ótica, com uma frase celébre: "Who gets what, when, how" (quem consegue o que, quando e como). A resposta a esta indagação revelaria o padrão de poder dentro de um grupo ou sociedade. A própria linguagem comum da política - toda ela concentrada na polaridade ganhar/perder - denuncia o forte componente emocional que possui. Este código é, na realidade, uma transposição dos signos da guerra e do esporte, ambos estruturados em torno da lógica da vitória.
Assim como no futebol, o jogo político tem emoção e razão. Há quem ganhe e quem perca. O segredo está no equilíbrio
Conceitos como batalha, luta, guerra, convocação, estratégia, táticas, aniquilar o adversário, abalar seu moral, ocupar espaços, avançar no território do antagonista, provocar escaramuças, fazê-lo dispersar forças e recursos, lançar um ataque surpresa, atacar, defender, minar o opositor - e tantos outros análogos - comprovam o quanto a linguagem da política é devedora da linguagem militar. Além desses, os conceitos derivados do esporte também foram apropriados pela linguagem política: jogo, jogada ou lance político, ocupar a ofensiva, ficar na defensiva, jogar para a torcida, jogo sujo, saber perder, acreditar até o último minuto, atacar pelos flancos, suar a camisa, gol contra, posse da bola, virar o jogo - e muitos outros.
Uma atividade que usa com tal freqüência idéias como as que foram citadas, obviamente está impregnada de emoção e sentimentos. Isto não significa, entretanto, a inexistência de espaço para a racionalidade na atividade política. Tanto candidatos quanto eleitores usam mecanismos lógicos para decidir. A própria linguagem da política guarda conceitos derivados da análise racional, sobretudo do repertório econômico: investimentos, prejuízo, lucros, trade off, relação custo/benefício, varejo político, transações, negociação, dívidas, crédito, saldo, retorno do investimento, projetos, colher rendimentos etc. Uma campanha eleitoral não é uma exteriorização desordenada de sentimentos e emoções. Suas ações correspondem a um planejamento racional, inclusive do uso do sentimento e da emoção!
Não há, pois, contradição insanável entre emoção e razão na política e nas eleições. As duas estarão sempre presentes. O que cada candidato busca é colocar a emoção a serviço de objetivos estratégicos e racionais.
A emoção e o sentimento são mais fortes que a razão, na política, porque é neles que se estabelece o vínculo com o eleitor. O caminho mais curto e eficiente para atrair o interesse do eleitor, para obter a sua atenção, para fazer com que ele fixe em sua mente uma mensagem e para que ele venha a se identificar com um projeto e um candidato, é o vínculo daquela candidatura com o seu mundo pessoal, com a sua afetividade.
A emoção e o sentimento são mais fortes que a razão na política
Não se deve esquecer, nunca, que não é o eleitor que sai do seu universo e dirige sua atenção e interesse para o mundo político. Antes, é este que deve ser capaz de entrar na vida do eleitor. Na política, é verdade que a montanha vai a Maomé!
A fim de ser admitida na esfera privada do eleitor - na qual ele gasta a maior parte do seu tempo, do seu interesse e da sua atenção - a política deve ser capaz de entrar em sintonia com algum sentimento forte e importante para ele. É o que se chama de nexo emocional. Estabelecida tal afinidade, o mundo da política passa a ser compreensível, relevante e envolvente. Portanto, o que atrai o foco do eleitor é a repercussão produzida pela mensagem política no seu mundo pessoal, na sua afetividade. Já a racionalidade somente terá esse poder para um número muito reduzido de cidadãos.
Para se diferenciar dos demais candidatos e atrair a atenção do eleitor, antes de usar a razão, estabeleça um vínculo sentimental consistente
Conquistado o interesse e a atenção, estão dadas as condições para que o conteúdo racional da comunicação possa ser transmitido. O nexo emocional destaca a mensagem e seu emissor entre a massa relativamente indiferenciada - aos olhos do eleitor - de informações políticas concorrentes. A partir de então, o eleitor não se satisfaz mais apenas com a sintonia nos sentimentos: ele deseja conhecer projetos, planos e programas que produzam resultados perceptíveis na sua vida. Uma vez estabelecido o nexo emocional, se o candidato não oferecer argumentos racionais ao seu potencial eleitor, será abandonado, não obstante a sintonia existente entre eles.
Por outro lado, não funciona argumentar racionalmente contra uma mensagem encharcada de emoção. Neste caso, emoção se combate com emoção. De nada adianta ao candidato contrapor montanhas de dados, estatísticas e sutilezas de raciocínio ao recurso emocional. Se a questão carrega uma forte referência sentimental, as tentativas de abordá-la racionalmente parecerão fracas, irrelevantes e fora de foco.
O que torna a questão ainda mais complexa é o fato de que não há matérias inerentemente racionais ou emocionais. Tudo pode ser transformado em argumento emocional. Por exemplo, o asfaltamento de uma estrada entre duas cidades pode ser tratado como uma questão técnica, avaliando-se sua conveniência, relação de custo/benefício com outras alternativas e prioridades. Pode, também, ser um caso de orgulho local, de afirmação daquelas comunidades. Diante de uma mobilização de sentimentos desta natureza, será possível avaliar de que maneira a argumentação racional será recebida e percebida.
O erro assinalado neste texto, portanto, não está em ser racional. Ao contrário, a racionalidade dos candidatos e de suas propostas é exigida pelo eleitor, para orientar a sua decisão de voto. Trata-se, portanto, de uma racionalidade construída sobre uma base de sentimentos compartilhados. O erro está em "tentar combater a emoção com a razão".

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